Conhecer é “apreender” como se fosse pela primeira vez, todas as vezes.
Frente ao que impressiona meus sentidos, estanco o passo, fecho os olhos para ver, descanso de meus conceitos e preconceitos para ler o novo.
Me inauguro todos os dias.
Inaugurar-me sempre e a todo o dia, é deixar os ditos mofados à porta da casa como se deixam as botas feitas em lama.
Ser outro a cada dia é fazer escolhas e saber que as faz, olhar-me de frente, bem aos olhos adentro e dizer: – vá lá, desta vez falhaste, amanhã vê se falhas melhor, anda, tenta…
É de novo ver-me ofendido por qualquer coisinha que venha de um outro e, rir-me disto, pois que sei que “defeito” é o nome que dou àquilo que não sou eu.
Inaugurar-me é, rindo de mim mesma, aceitar, vez por todas, que sou o que sou e, que, ao “errar” estou só tentando ser eu mesma.
E então, toca a mudar aquilo que a mim já não serve, como roupas apertadas que não cobrem mais meus zelos e excessos.
Mas, sobremaneira, de modo especial, inaugurar-me de seguida, a cada manhã, é ver-me coletivamente, nos olhos e desafios das vidas que rodeiam e refletem a minha vida.
O olhar do cão à minha porta, o gesto do amigo em desabrigo, a rudeza em desalinhos de viver que vem de um grito ou de um sussurro, é aí que estou.
E, saber-me parte, divíduo, caminhante para o ir-me sempre, entre tantos e, sendo um deles, sendo todos, carregar, desajeitada a vida, para um destino que desconheço por incapaz de o abranger, mas que, me impulsiona sempre para adiante.
Fazer-me a todo o tempo novo e novamente é comprometer-me com um algozinho de mim que, por pequenino que seja, há de somar à construção de um mundo mais solidário, sem fome e miséria, ciente de que meus atos são escolhas, a minha liberdade é a soma dessas escolhas, e minha vida se acaba onde brotarem essas pequenas decisões-sementes que hão de ser colhidas por outros, as vidas que virão para além do tempo e nelas eu estarei, estaremos todos.
Texto e ilustração de Regina Amorim
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