Arpoador

O navio que sou, faz-se sirene a ranger de madeirame castigado por ondas seculares.

Naufrago?

Fico.

A bordo, à borda de um mundo que é só desabrigo e estranheza.

Estou em terra minha, Rio, rio…

Marquei encontro comigo mesma.

Fui.

A que me esperava, desatomizava acolhimentos, muito diluída de montanhas, assombrava de tanto azulverdemar.

Eu, vida pouca.

Deixei-me, parte pedra, parte carne, ossos, sangue grosso, coagulo, represo.

Quem me encontrava, fazia-se em mim… Rio… rio.

Atiço-me, um quê de ventania embaraça-me os arenosos cabelos, meus pés, decepados nos fugidios das ondas.

Clamo, vento-me, fustigam risíveis vermelhos açucenas, absurdâncias de ser.

Calmaria nenhuma, sou sofreguidão.

Estou.

Mas, se guardo um sabor insosso que me desiste, onde o vitoriar-me junto aos fantasmas que carrego?!

É desistir-me.

Não.

Não hei de vencer a ira minha.

Não tenho calado para nenhum outro mar.

Meu corponavio, foi feto, foi ninfa, foi limo, esperma e seiva ácida, agora, quero-me âncora a penetrar fundamente, cópula improvável, parideira de gozos, gestante de nascentes, chegada, finalmente, ao único oceano possível, Rio que desagua em mim.

Texto e ilustração de Regina Amorim


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